REFORMA TRIBUTÁRIA E DIVIDENDOS: DESRESPEITO À CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, COMPLEXIDADE E INCENTIVO À SONEGAÇÃO

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Públicada em: domingo, julho 4, 2021

Por Tiago Brasileiro, advogado tributarista e sócio do Martinelli Advogados

A partir de um aparente consenso da sociedade de que a tributação brasileira necessita de uma reforma com o objetivo primordial de sua simplificação, mas sem majoração da carga tributária global, várias propostas de mudanças legislativas têm sido discutidas.

O Projeto de Lei 2337/2021 foi apresentado pelo Governo Federal com alterações na legislação do Imposto de Renda das Pessoas Físicas e Jurídicas. O ponto de maior impacto é a instituição de tributação sobre o pagamento de dividendos, pretensão antiga da Receita Federal do Brasil.

A exposição de motivos do PL 2337 indica como razão para a instituição desse tributo a necessidade de seguir outras legislações internacionais que dividem a tributação sobre a renda em duas parcelas:

(i) no auferimento de lucro pela pessoa jurídica
(ii) na distribuição de dividendos para o sócio.

Inicialmente, cumpre destacar que as alíquotas pretendidas pelo PL (redução gradual do imposto da pessoa jurídica em 5 pontos percentuais e instituição do tributo na distribuição de lucros em 20%) trazem nítido aumento de carga tributária. Para uma prometida neutralidade, as alíquotas precisariam ser graduadas de forma muito diferente. Uma redução, por exemplo, de 10% no imposto da pessoa jurídica seria compensada com uma alíquota de 13,3% na distribuição de dividendos.

Ultrapassado o alerta da necessidade de neutralidade da mudança, cumpre desmistificar a impressão de que a tributação dos dividendos se funda em algum raciocínio de justiça fiscal.

A comparação com a estrutura de tributação dos lucros em países desenvolvidos é inadequada e perigosa. São realidades sociais, culturais e fiscais totalmente diferentes. Tecnicamente existem diferenças relevantes na estrutura dos impostos nas legislações estrangeiras, inclusive com hipóteses de dedutibilidade de despesas bem mais amplas. No aspecto social e econômico, o Brasil é um país em desenvolvimento que precisa fortemente do apoio da iniciativa privada para a melhoria social, o aumento da oferta de empregos e da renda média do trabalhador. O nível de tributação sobre o lucro é inversamente proporcional ao incentivo para o investimento na economia real. Tentar equiparar o imposto de renda do Brasil ao de países ricos é prejudicar ainda mais o ambiente econômico e a geração de empregos.

A decisão feita pela nossa legislação de concentrar a tributação do lucro na empresa é baseada em fortes motivos técnicos e arrecadatórios. A mudança pretendida pelo PL 2337 trará repercussões negativas que não podem ser ignoradas.

De pronto, cumpre salientar que o nosso modelo atual não traz privilégios para o empresário. Além de todos os tributos que incidem sobre a sua receita, a empresa está atualmente sujeita a uma pesada tributação global sobre o lucro auferido. Assim, ao decidir estruturar a sua atividade em uma pessoa jurídica, o empresário passa a recolher as contribuições ao PIS e à COFINS (atualmente em 9,25% da receita), mais o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL), que somam 34% e incidem sobre o mesmo valor que pode ser distribuído ao sócio. Já é uma carga alta, que não justifica qualquer impressão de que a isenção no recebimento de dividendos representa um benefício fiscal ou privilégio para o empresário.

No aspecto técnico, é fundamental destacar dois motivos relevantes para a concentração da tributação na apuração do lucro pelas empresas:

1) Em primeiro lugar, porque a arrecadação é antecipada para o momento do auferimento do lucro pela empresa, sem depender de um evento futuro e incerto de distribuição dos valores para os sócios. Ou seja, reduzir o imposto de renda da empresa e instituir o imposto no recebimento de dividendos aos sócios tende a postergar o pagamento para as empresas que distribuem integralmente os lucros, e diminuir a arrecadação global em relação às demais, que não distribuem integralmente.

Ressalta-se, por oportuno, ser fundamental para um sistema tributário justo o correto balanceamento da tributação com o nível de capacidade contributiva dos contribuintes. O modelo de divisão da tributação em dois momentos enseja a dispensa da tributação daquela empresa que é lucrativa, mas mantém total ou parcialmente os resultados em reservas de lucros. E a incidência desse cenário normalmente ocorre com mais frequência em empresas de grande porte, multinacionais e de capital aberto.

O PL 2337 representa, portanto, uma opção de renunciar à tributação na situação de mais clara demonstração de capacidade contributiva, qual seja o auferimento de lucro. Na prática e em certa medida, tende ainda a diminuir a tributação de empresas lucrativas de grande porte, para onerar mais severamente empresas de médio porte.

2) Por fim, cumpre destacar que a tributação dos dividendos impõe uma complexidade muito maior, tanto na apuração dos tributos pelos contribuintes como na fiscalização a ser feita pela Receita Federal do Brasil. Isso porque revigora o instituto da distribuição disfarçada de lucros, uma preocupação enorme para os agentes econômicos, que precisam se esquivar de inúmeras normas pré-existentes e várias outras trazidas pelo próprio PL 2337.

Pela ótica da fiscalização, certamente existirá enorme dificuldade em inibir as práticas de sonegação, com empenho de equipes e estrutura já anteriormente insuficientes. Como inexorável consequência, serão mais onerados aqueles contribuintes de boa-fé, que terão a desleal concorrência dos sonegadores, cuja imensa maioria não será identificada pela Receita Federal.

A sonegação é o maior retrato da injustiça fiscal, e com ela já convivemos demasiadamente no nosso país.

Não se justifica uma alteração legislativa que, além de ofender a capacidade contributiva, tornará mais complexa a interpretação e aplicação da lei tributária e propiciará condições mais favoráveis à sonegação fiscal.

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