Fonte: Valor Econômico | Publicado em: 15/01 | Clique aqui para ver a publicação original
A Instrução Normativa RFB 1.634, de 6 de maio de 2016, alterou a regulamentação sobre o CNPJ e criou a obrigação de as empresas indicarem sua cadeia societária até os beneficiários finais em diversas situações, em especial aquelas que possuem investimento estrangeiro.
Esta nova obrigação foi recebida na época com muita surpresa e receio. Muitas empresas consideram a medida excessiva e temem que informações sigilosas que devem ser disponibilizadas ao governo para cumprir com a obrigação, sejam indevidamente divulgadas.
No entanto, é necessário analisar as novidades da referida IN em um contexto mais amplo, considerando as diversas medidas contra a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro sendo discutidas em fóruns internacionais. Atualmente, o principal ambiente para o desenvolvimento multilateral destas novas ideias é a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil, apesar de não ser membro da instituição, participa de diversos de seus comitês e grupos, além de ser signatário de alguns de seus tratados multilaterais, muitos dos quais têm por objetivo aumentar a transparência e reduzir a evasão fiscal.
O Brasil também participa de alguns grupos de discussões internacionais, dentre eles o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), que recomenda diversas medidas neste sentido, incluindo a identificação das pessoas físicas beneficiárias finais de ativos societários e financeiros.
A IN 1.634/2016 foi promulgada no Brasil tendo em vistas a adoção destas medidas previstas pelos tratados e pelo Gafi, criando uma nova ferramenta interna de fiscalização que também poderá ser utilizada no contexto de aumento da cooperação global entre os países. Sendo assim, quanto mais países forem signatários de tratados multilaterais como os citados e/ou adotarem as medidas do Gafi, maiores serão os poderes de fiscalização e penalização das autoridades relevantes de cada jurisdição em relação aos indivíduos sob sua regulamentação.
Destaca-se que diversos países com grande relevância mundial têm adotado medidas similares de identificação de beneficiários finais. A União Europeia, por exemplo, promulgou a Quarta Diretiva Contra a Lavagem de Dinheiro, que inclui determinações em relação a beneficiários finais.
Outros países que possuem regras semelhantes são Argentina, Estados Unidos, Singapura, Uruguai, entre outros. Adicionalmente, diversas nações estão em processo de desenvolvimento e implementação de regulamentações similares. As regras adotadas por cada país possuem abrangência, exigências e penalidades variadas, mas todas têm o objetivo final de identificar os reais proprietários de ativos societários e financeiros.
A população brasileira tem se manifestado veementemente contra a corrupção na esfera política. Mas, agora, deve também se opor à corrupção nos ambientes privados. É indiscutível que estas medidas fornecem ao governo brasileiro instrumentos efetivos para o combate a crimes de colarinho branco cometidos por pessoas públicas e privadas. Cabe lembrar ainda que o governo federal instituiu alguns programas para viabilizar a legalização de ativos estrangeiros legítimos não declarados. Frente a isso, não é possível se posicionar de forma contrária a iniciativas que objetivam conferir maior transparência às operações privadas, que é justamente o que exigimos de nossos representantes.
Por outro lado, o governo federal também deve ter muito cuidado na implementação da medida. Primeiramente, é sensível o grande aumento na criação de obrigações acessórias nos últimos anos (E-Financeira, declaração país-a-país, beneficiário final, etc), além da sofisticação de obrigações já existentes (ECF, CBE, Censo de Capitais etc.).
Esse movimento, que não é feito com a coordenação desejada, gera grandes custos para as empresas para o cumprimento das obrigações. Adicionalmente, a atuação repressiva das autoridades brasileiras pode levar a penalizações abusivas a empresas brasileiras que buscam atuar de forma legal, mas acabam cometendo erros, muitas vezes por conta da dificuldade de compreensão plena de uma regulamentação tão complexa como a brasileira. Deve ser buscado um equilíbrio entre a fiscalização e as exigências feitas aos contribuintes.
Vale lembrar que em 27 de dezembro de 2018, a apenas quatro dias do prazo final previsto pela IN nº 1.634/2016, a Receita Federal promulgou uma nova Instrução Normativa, de nº 1.863, que revogou a IN nº 1.634 e prorrogou o prazo da obrigação por mais 180 dias.
A esperança é que este tempo adicional seja utilizado pelo governo para melhorar a administração dos procedimentos necessários, uma vez que foi notável nos últimos meses a dificuldade dos fiscais em orientar adequadamente os contribuintes. Um ponto positivo na nova regulamentação foi a inclusão de um anexo com orientações para informações sobre beneficiários finais. Esperamos que este seja um sinal para uma maior, e necessária, cooperação entre o Fisco e os contribuintes.
Pedro Batista é advogado da área Internacional do Martinelli Advogados