VALOR ECONÔMICO | IMPASSE NA REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE CARBONO PREJUDICA O PAÍS

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Públicada em: quinta-feira, outubro 31, 2024

Fonte: Valor Econômico | Publicado em 31/10/2024 | Clique aqui e veja a publicação original

O mercado de carbono brasileiro aguarda com ansiedade a regulamentação do Projeto de Lei 182/2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2023 e encaminhado ao Senado Federal. O texto, que estabelece tetos para emissões e prevê regras para a venda de títulos de compensação, não registrou qualquer movimentação na Casa em 2024 e ainda espera a designação de relator e o envio às comissões permanentes para discussão.

Um impasse entre as duas casas legislativas sobre quem teria a palavra final sobre sua autoria e aprovação atrasa o andamento do projeto, visto como prioritário para o avanço da agenda verde e o combate às mudanças climáticas. O governo federal, no entanto, tem a expectativa de aprovar o texto antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), que acontece no mês de novembro em Baku, no Azerbaijão. “É muito importante chegar na COP29 com um conjunto de matérias legislativas aprovadas e que mostrem o Brasil como uma liderança global no caminho de uma economia verde”, destaca o secretário de Energia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Rodrigo Rollemberg.

A intenção do governo Lula é que o projeto seja anunciado como parte do Pacto Pela Transformação Ecológica, compromisso firmado no mês de agosto entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que propõe um novo modelo de desenvolvimento para uma economia de baixo carbono. Vista como urgente por especialistas e ambientalistas, a regulamentação do mercado de carbono indicaria um avanço positivo na pauta e na estrutura do mercado regulado brasileiro, considerado um instrumento fundamental nas ações contra as mudanças climáticas por incentivar empresas a limitar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE).

A implementação desse instrumento é discutida desde 2016 e pleiteada tanto por membros da sociedade civil quanto por entidades representativas do setor produtivo. Atualmente, o que se tem no país é apenas o mercado voluntário, em que as empresas buscam compensar o seu volume de emissões por conta própria. Sexto maior emissor de GEE do mundo, o Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas em 2022, segundo o Observatório do Clima (OC).

Para Guarany Osório, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp, o mercado de carbono nunca foi tratado como prioridade pelos governos brasileiros a ponto de que fosse investido o capital político necessário para sua implementação. “Nunca houve um esforço nas agendas do Executivo e do Legislativo para que o tema avançasse, é mais empurrado por agendas externas. Sempre que se aproxima de uma Conferência das Partes (COP), por exemplo, costuma ganhar tração, mas depois desacelera”, aponta Osório.

O modelo que deve ser adotado no Brasil (“cap and trade”) é baseado na experiência do mercado europeu, no qual o Estado define um limite máximo de cotas de emissão de GEE para determinadas atividades econômicas. Esse desenho – que prevê que as empresas que reduzirem suas emissões e ficarem abaixo do limite definido podem negociar seus direitos de emissão em forma de crédito de carbono com os agentes econômicos que ultrapassarem o limite permitido – tem demonstrado eficácia em países da União Europeia, contribuindo para a redução gradual das emissões de carbono, bem como a criação de incentivos financeiros para investimentos em tecnologias limpas.

Uma das principais críticas ao projeto de lei é a ausência do agronegócio, segundo setor mais poluente da economia brasileira, com 27% das emissões brutas nacionais em 2022, uma alta de 3,2% em relação a 2021 e número mais alto da série histórica, de acordo com o OC. Na proposta atual, o agro não tem obrigação legal de compensar suas emissões de carbono. O deputado Aliel Machado (PV-PR), relator do projeto aprovado na Câmara, tentou adicionar o setor ao texto, mas não houve um acordo na Casa. Em quase todo o mundo, o setor agrícola está fora do cômputo das emissões de GEE. “No entanto, em poucos lugares, esse setor é tão representativo quanto no Brasil. A exclusão do agronegócio reflete um equilíbrio delicado entre as preocupações econômicas de curto prazo e os compromissos ambientais de longo prazo”, avalia Isabela Bernardes, advogada especialista e mestre em direito ambiental do escritório Martinelli Advogados.

Enquanto aguarda o fim do impasse no Congresso Nacional para criação de um mercado de carbono regulado, o Brasil perde terreno em termos políticos e econômicos. Segundo estudo do Banco Mundial, já existem 75 jurisdições que implementaram sistemas de precificação direta de carbono, seja por meio de Taxação de Carbono (Carbon Tax) ou Sistema de Comércio de Emissões (SCE). “Politicamente, a adoção desse instrumento, já vigente em muitos outros países, poderia posicionar melhor o Brasil para o exercício de um papel de liderança na diplomacia climática internacional”, ressalta Viviane Romeiro, diretora de clima, energia e finanças sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Em termos econômicos, aponta a especialista, a não adoção do mecanismo pode prejudicar a competitividade internacional dos produtos brasileiros, conforme a tendência de mecanismos como o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) da União Europeia, que impõe uma taxação sobre o carbono de produtos importados.

Para Bernardes, além da perda de liderança global e regional e do aumento da vulnerabilidade às mudanças climáticas, a demora na regulamentação do tema também corrobora a insegurança jurídica perpetuada pelo mercado voluntário. “Ao criar um ambiente transparente e juridicamente seguro, a regulamentação impulsionará o desenvolvimento de um mercado interno de carbono robusto, aquecendo o mercado de investimentos e atraindo novos investidores”, destaca. O potencial de geração de receitas com créditos de carbono atinge US$ 120 bilhões até 2030 no Brasil, segundo estudo da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), em parceria com a WayCarbon.

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