Fonte: Globo Rural | Publicado em 18/6/2024 | Clique aqui e veja a publicação original
A Medida Provisória (MP) 1227, criada como parte da estratégia para compensar a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de municípios sem o aumento de impostos, tem sido alvo de críticas desde a sua publicação, no início de junho.
Apelidada de “MP do Fim do Mundo” por parlamentares da oposição, o texto muda regras de benefícios fiscais para empresas, sob a justificativa de corrigir distorções do sistema tributário. Para o agronegócio, as alterações aumentam a carga tributária e, como consequência, o preço dos alimentos.
Em nota, o Ministério da Fazenda diz que as medidas “trazem instrumentos para combater essa desarmonia sobre as contas públicas”. Para oposição, no entanto, impor um limite para a compensação tributária seria uma forma ilícita do Poder Público de arrecadar dinheiro do contribuinte, uma vez que as mudanças aumentam indiretamente a carga tributária das empresas.
Com a repercussão negativa, o texto foi devolvido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta terça-feira (11/6) sob justificativa que a decisão seria “constitucional, de afirmação do Poder Legislativo e tranquilizadora para os setores afetados”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a reação do Congresso “faz parte da democracia” e que, até o momento, não há um plano B definido para compensar a renúncia fiscal dos casos de desoneração.
“Sempre dá para encontrar uma solução. O Senado assumiu uma parte da responsabilidade por tentar construir uma, pelo que entendi da fala do próprio presidente Rodrigo Pacheco”, disse.
O que prevê a Medida Provisória?
A Medida Provisória 1227/2024, também conhecida como MP do Equilíbrio Fiscal ou MP do Leão, tem dois pontos principais. O primeiro estabelece que as empresas inseridas no regime não cumulativo não poderão utilizar os créditos do Programa de Integração Social/Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS-Cofins) para abater outros impostos.
Segundo a Receita Federal, no último ano, R$ 62,4 bilhões de créditos do PIS-Cofins foram utilizados para pagar outros tributos.
Conforme esclarece Arthur Pitman, professor de Gestão Tributária da Fipecafi, essa autorização funcionava como uma estratégia para escoar os créditos acumulados, “contribuindo com o fluxo de caixa das empresas, com a neutralidade relativa da tributação sobre os preços de produtos”.
Agora, com a nova regra, os créditos de PIS-Cofins só podem ser utilizados para abater o próprio imposto, enquanto as demais transações devem ser feitas com dinheiro disponível em caixa. “Fora o impacto negativo no fluxo de caixa, essa proibição acarreta o acúmulo de saldos credores, comprometendo a neutralidade do sistema”, alerta o professor.
Outro ponto está relacionado ao crédito presumido, benefício fiscal que busca ressarcir o imposto incidente sobre os insumos utilizados na produção dos bens a serem exportados. A MP veda o reembolso em dinheiro do valor acumulado. Na visão do governo, em um sistema saudável, o acúmulo de créditos deveria ser exceção, e o ressarcimento em dinheiro absolutamente raro.
“É um tributo que nunca foi pago por ninguém, é como se fosse uma subvenção criada legalmente e que se materializa pela entrega de dinheiro para determinadas empresas”, explicou Robinson Barreirinhas, secretário da Receita Federal.
O que é uma medida provisória?
A Medida Provisória (MP) é um instrumento do Presidente da República que permite aplicar normas com efeitos jurídicos com maior agilidade, valendo no momento de sua publicação.
Antes de se tornar Lei, o texto deve passar pela avaliação das Casas do Congresso Nacional, a Câmara e o Senado. Os parlamentares têm 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, para apreciar a MP e sugerir possíveis alterações para o Presidência da República, que tem prazo de 15 dias para vetar parcial ou integralmente o texto, antes de ser promulgado.
Neste caso, a Medida Provisória 1227/2024 tem validade garantida até 1° de outubro de 2024.
Os impactos da MP nos preços dos produtos
O advogado tributarista Jacob Neto, sócio regional do escritório Martinelli em Santa Catarina, alerta que a MP põe em risco a saúde financeira das empresas, pela principalmente entrada abrupta das novas restrições, e também impacta o consumidor a longo prazo.
“A impossibilidade de usar os créditos para compensar outros tributos afeta o planejamento financeiro das empresas. Se o contribuinte não tiver débitos a pagar e o crédito não puder ser aproveitado, esse valor passará a ser custo na operação, podendo refletir no aumento dos preços dos produtos”, analisa Neto.
No caso do agronegócio, em que os produtos finais costumam ser isentos de tributação, como os alimentos da cesta básica, por exemplo, não há débitos de PIS-Cofins. Assim, a única saída seria solicitar o ressarcimento do valor em dinheiro, porém, como não há um prazo pré-estabelecido, os pagamentos podem levar anos para serem efetuados.
O advogado acredita que a MP deve refletir em aumento nos preços dos produtos agrícolas para manutenção das margens de lucro. Além disso, há receio da Medida minar a competitividade dos produtos brasileiros frente ao mercado internacional, prejudicando o setor produtivo.
A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) garantiu que um dos efeitos da medida será a alta no preço do cereal e, consequentemente, das farinhas e os produtos derivados, como pães, massas, biscoitos, bolos e salgados.
Na última semana, a insegurança provocada pela publicação paralisou as negociações no mercado de soja. A indústria acumulou cerca de R$ 6,5 bilhões em créditos de PIS e Cofins em 2023. Com as limitações, este novo custo, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), será considerado na precificação do grão.
“Isso representa uma redução de 4% do preço pago aos produtores rurais. Eles serão prejudicados pela cumulatividade estacionada na indústria de oleaginosas, impacto de até 5% do valor corrente da soja”, afirmou a entidade em nota.
O deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), chamou a medida irresponsável. Também citou os possíveis prejuízos para o setor de carne, estimado em R$ 2,5 bilhões. Segundo o parlamentar, cálculos iniciais a apontam desconto desconto de R$ 11, na arroba do boi.
O impacto na cadeia de distribuição e logística, de R$ 10 bilhões, conforme previsto pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), deve impactar no preço dos combustíveis. A gasolina deve sofrer alta de 4% a 7%, com aumento de R$ 0,20 a R$ 0,36 por litro, enquanto o do diesel deve ficar até R$ 0,10 a R$ 0,23 mais caro, com alta de 1% a 4%.
Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), com outras 52 entidades do setor, a rejeição na íntegra do texto da MP 1.227/2024 no Congresso Nacional. “Não há como aceitar a majoração da — já altíssima — carga tributária brasileira, a qualquer custo, para fins de cumprimento das metas fiscais, sem qualquer perspectiva de redução de despesas estatais”, defende o texto.