Fonte: Broadcast | Publicado em 16/7/2024 | Clique aqui e veja a publicação original
Os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) classificados como “entidades de investimento” na reforma tributária escaparam da cobrança do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Sobre Bens Serviços (CBS). Essa possibilidade havia surgido na última semana, durante das discussões sobre a reforma, e surpreendeu o mercado. Entretanto, no caso dos FIDCs que não se encaixam nessa classificação, a tributação pelos novos impostos, se for adiante, vai encarar dificuldades de operacionalização e pode trazer impactos para o mercado de crédito. A avaliação é de Walter Fritzke, responsável pela área de mercado de capitais do escritório Martinelli Advogados.
“Acho difícil operacionalizar. Os FIDCs foram criados em 2001. Então, há 23 anos não há incidência de imposto algum nessa estrutura. Há 23 anos o mercado de investimentos se comporta com essa realidade. Há 23 anos o mercado de contabilidade de fundos, de administração fiduciária e de gestão de fundos lida com essa realidade”, observou Fritzke, em entrevista ao Broadcast Investimentos. “Hoje, no mercado não existem competências para operacionalizar isso.”
Outra questão é o impacto no mercado de crédito, dado que é a natureza da indústria de FIDCs. “Certamente haverá impactos reais no crédito”, diz o economista, acrescentando ser um “mercado sensível” e que está sujeito a “secar” em meio às mudanças tributárias. E se, tecnicamente, não faz sentido, qual seria o motivo da tributação? Na avaliação de Fritzke, se colocado da forma como o texto trazia anteriormente – atingindo todos os FIDCs sem distinção -, o imposto traria benefício arrecadatório. Com a recente mudança, visando apenas fundos que não sejam “entidades de investimento”, serve para inibir o “planejamento tributário”. “Mas não há clareza sobre qual seria o tamanho da nova linha de receita”, diz.
As discussões sobre a reforma tributária já seguiram para o Senado – em tramitação sem urgência. A expectativa de Fritzke é que haja uma conclusão geral do texto em 60 dias.
Linha do tempo das discussões
A discussão sobre taxação de FIDCs vem desde o ano passado, em meio às mudanças para tributação de fundos exclusivos. Na ocasião, já havia uma distinção no caso dos FIDCs “entidades de investimento” – no qual há união de investidores para que um gestor tome decisões na busca por rendimento financeiro -, que se classificados assim, poderiam manter o diferimento fiscal.]
Na época, o come-cotas foi definido apenas para os FIDCs que não tivessem essa classificação. É o caso de veículos que existem basicamente como “estrutura tributária”, sem a gestão efetiva de terceiros, com o investidor tomando as decisões e focado em uma ou duas empresas, por vezes do mesmo grupo econômico, segundo Fritzke. “Na prática, isso é raro”, diz o economista. “A larga maioria [dos FIDCs] não foi afetada, pois de fato são entidades de investimento.”
O que assustou o mercado na última semana foi a tributação dos FIDCs voltar à pauta nas discussões da reforma tributária, levantando a possibilidade do imposto sobre receita. “Não tinha lógica técnica que justificasse”, defende o economista. Ele destaca que a maioria dos FIDCs são operações de prazo indeterminado, então não necessariamente a carteira tem liquidez, e a mudança implicaria em uma nova tributação que não havia sido prometida ao investidor. “É tecnicamente conflitante.”
Mas o texto que regulamenta a reforma tributária, aprovado pela Câmara dos Deputados na noite de quartafeira, dia 10, definiu que os FIDCs sujeitos ao IBS e ao CBS são somente os que não são “entidades de investimento”. São os mesmos fundos sobre os quais já havia a definição de incidência de come-cotas.
Segundo Fritzke, ainda não há dados sobre o volume da indústria que pode ser impactado. Mas o economista argumenta que os FIDCs têm sido um dos “principais veículos de captação” no mercado, com crescimento em destaque nos últimos anos. E dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que os FIDCs captaram R$ 20,4 bilhões no primeiro semestre deste ano, chegando a um patrimônio líquido (PL) de quase R$ 490 bilhões no último mês.
Do modo como a discussão está atualmente, Fritzke reitera que não deve haver impacto sobre os produtos disponíveis ao investidor em geral, uma vez que costumam ter acesso aos FIDCs classificados como “entidade de investimento”.
FIDCs de meio de pagamento estão em “zona cinzenta”
O texto mais recente da reforma tributária ainda deixa uma “zona cinzenta” para os FIDCs de meio de pagamento, que têm “patrimônios consideráveis”, destaca Fritzke. Esses fundos têm carteiras de crédito estruturado criadas por empresas de meios de pagamento para financiar varejistas. “Esses FIDCs fazem parte de uma mesma cadeira operacional, então podem ser identificados como parte do negócio de meio de pagamento, não um negócio apartado”, afirma o economista. “Não digo que é 100% dos casos, mas existe uma margem de discussão.”