GLOBO RURAL | LEI ANTIDESMATE DA UE FAZ EXPORTADORES E IMPORTADORES ACELERAREM NEGOCIAÇÕES

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Públicada em: quinta-feira, setembro 26, 2024

Fonte: Globo Rural | Publicado em 19/9/2024 | Clique aqui e veja a publicação original

A proximidade da entrada em vigor da lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês) e as incertezas sobre a efetivação da mudança têm provocado uma antecipação da comercialização de commodities agropecuárias, como café e carne bovina. O movimento pode provocar um aperto na logística portuária no fim do ano.

A lei exige que, a partir de 30 de dezembro, os importadores europeus comprovem às autoridades locais que as cargas que chegam de navio com soja, café, carne bovina, cacau, borracha e madeira não foram oriundas de áreas desmatadas após 2020. Mas os detalhes de como será essa comprovação ainda são incertos. A lei, cujo objetivo é combater a derrubada de florestas tropicais, enfrenta crescente pressão internacional contrária, incluindo do Brasil, que pediu a não implementação da medida à UE.

Em agosto, os embarques de carne bovina tiveram forte alta tanto na comparação com o mesmo mês de 2023 quanto em relação ao mês anterior. Na comparação anual, o aumento foi de 28,5%, e em relação a julho, de 27,7%.

Entre fontes do setor, a percepção é de que os importadores querem antecipar as compras para evitar problemas quando a nova lei passar a valer. Na avaliação sobre as exportações de agosto, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Jorge Camardelli, afirmou, em nota, que a “iminência” da implementação das novas regras ajudou a “aquecer” a demanda dos importadores.

Uma das dúvidas entre exportadores é se a carne do animal criado em áreas desmatadas após 2020 e abatido neste ano poderá entrar na UE após 30 de dezembro. Grandes empresas até têm sistemas de rastreabilidade, o que não é o caso da maioria dos exportadores menores.

Café

No caso do café, os embarques do bimestre julho-agosto, o primeiro da safra 2024/25, alcançaram 7,5 milhões de sacas, o que representou um aumento de 11% em relação a 2023, segundo o Conselho de Exportadores de Café (Cecafé). As novas regras ambientais ajudam a explica a aceleração dos negócios, ainda que não tenham sido o único motivo.

“A regulação, de fato, elevou as exportações do Brasil. Ouvimos de muitos exportadores que eles estavam tentando antecipar os embarques [por causa da lei]. Somado a isso, o café conilon virou uma oportunidade devido ao déficit da produção do principal fornecedor da Ásia, o Vietnã”, disse Eduardo Heron, diretor técnico do Cecafé.

Das 7,5 milhões de sacas embarcadas no período, pouco mais de 1,8 milhão foi de conilon — a alta foi de 51%. Além da queda da produção no Vietnã, ataques dos houthis a embarcações no Mar Vermelho também afetaram o escoamento do café do Sudeste Asiático.

Um produtor de café conilon do Espírito Santo, que não quis se identificar, disse que quer “liberar as cargas” para exportação até antes de 30 de dezembro, apesar de os preços nacionais estarem mais atrativos, para só depois concentrar suas vendas a indústrias e traders nacionais.

No intervalo de janeiro a agosto, as exportações capixabas de conilon cresceram 131,1% na comparação anual, e as de carne bovina, 96,7%, segundo a Secretaria de Agricultura do Estado.

O movimento de antecipação das vendas externas de café não ocorre só no Brasil. A Etiópia, quinto maior produtor mundial, está tentando exportar mais nos três meses que restam antes da vigência da nova lei, segundo traders.

Aperto logístico

Conforme Heron, a antecipação dos embarques já estaria congestionando portos, agravando o aperto logístico provocado pela ação dos houthis no Mar Vermelho. Os atrasos de viagens em razão do desvio de rota, agora feita pelo sul do continente africano, são de dez a 12 dias. Assim, o risco é de que o produto, mesmo saindo em 1 de dezembro, chegue após a data da vigência da lei, disse ele.

Para dirimir esse risco, há importadores europeus exigindo que os exportadores se comprometam desde já a cumprir a lei, segundo Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Há tanto casos em que isso aparece nos contratos como casos em que os exportadores já têm que apresentar georreferenciamento”, ainda que sem saber como a UE vai exigir essa comprovação, afirmou.

Portos europeus

Procurado, o Porto de Roterdã, na Holanda, o maior da União Europeia, afirmou em nota que ainda não é possível tirar nenhuma conclusão a partir dos dados de fila de navios com produtos agrícolas. “Porém, ouvimos que há muitos pedidos por armazenagem para o último trimestre deste ano”, afirmou o porto. “Isso pode indicar que as companhias estão antecipando a legislação, mas ainda é muito cedo para tirar conclusões”.

O Porto de Antuérpia-Bruges, na Bélgica, afirmou, em nota, que “não tem conhecimento de filas de navios” atualmente e que não espera que elas aumentem com a EUDR. O Porto de Hamburgo foi procurado, mas não respondeu.

Segundo o porto belga, o único controle esperado na chegada do navio é a declaração dos importadores do número de referência da declaração de “due diligence” no documento de importação de bens. A checagem do conteúdo da due dilligence ocorrerá depois.

Para o presidente do Cecafé, Marcos Matos, outra dificuldade que deve surgir está relacionada à estrutura tecnológica para avaliação das due diligences. Nesse cenário, crescem os pedidos de flexibilização da lei, inclusive por parte dos governos de Alemanha e Itália, e do setor privado europeu.

Pressão

Ontem, 28 associações divulgaram carta em que pedem o adiamento do início da vigência da lei. Segundo as entidades, as empresas do bloco “estão enfrentando incertezas paralisantes ao negociar contratos para o próximo ano”.

“A ação das nações europeias é um indicativo de preocupação com o potencial aumento de inflação que pode haver na UE, reflexo de falta de produto, caso haja travas nos portos ou exportadores prefiram outros parceiros”, disse Fábio Zanin, advogado especialista em agronegócio.

O secretário de relações internacionais do Ministério da Agricultura, Roberto Perosa, acredita que, sem um adiamento, haverá uma “reordenação” das vendas de produtos para outros países e regiões.

Representantes da UE no Brasil preferiram não comentar. A reportagem procurou seis comissários de países do bloco, mas eles não responderam. 

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