Fonte: Valor | Publicado em 20/10/2023 | Clique aqui e veja a publicação original
A ausência do saneamento básico entre os regimes diferenciados apresentados na Reforma Tributária, prevendo alíquota zerada ou redução de 60%, tem mobilizado o setor. Caso não tenham o benefício, companhias dizem ser necessário reduzir em cerca de 40% os investimentos na universalização dos serviços e aplicar reajustes que podem ultrapassar 20% em tarifas de água e esgoto cobradas de consumidores residenciais, comércio e indústrias de pequeno porte.
Outra preocupação com a Proposta de Emenda à Constituição 45/19 (PEC da reforma tributária) é a perda de benefícios já garantidos como o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), que visa à desoneração dos investimentos em bens de capital. Segundo especialistas em direito tributário que têm acompanhado a reforma, as perspectivas são otimistas.
“Há uma perspectiva positiva de acolhimento dos pleitos do setor de saneamento, considerando os debates que tenho acompanhado nas diversas audiências públicas no Senado”, diz Francisco Leocádio, sócio da área tributária do Souza Okawa Advogados e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e da PUC-SP.
O principal efeito da reforma para o saneamento é a mudança da carga tributária efetiva, considerando que hoje o serviço não é tributado pelo ISS. O texto prevê que o PIS e a Cofins cobrados no setor serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência de Estados e municípios, e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União. Estudo apresentado pela Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) em debate na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado mostra que a alíquota do setor saltaria de 9,25% (PIS/Cofins) para aproximadamente 27% (IBS/CBS).
Segundo a Abcon Sindcon, se a reforma caminhar como está na PEC 45/19, será necessário reajustar em 21% as tarifas de água e esgoto para que sejam mantidos os compromissos de investimento e serviço – e quem vai arcar com esse aumento serão os consumidores residenciais, o comércio e a indústria de menor porte enquadrados no Simples Nacional.
“Na proposta da reforma, há menção a um regime específico em relação a operações contratadas pela administração pública direta, por autarquias e fundações públicas, que poderá prever a não incidência do IBS e da CBS, admitida a manutenção dos créditos, ou a destinação integral do produto da arrecadação ao ente federativo contratante”, diz Leocádio.
Quando a tarifa é paga por pessoa física, segundo ele, há receio de que haverá alta de preço, daí a necessidade de mecanismos que reduzam o impacto final. Outra preocupação do setor se refere ao reequilíbrio dos contratos de concessão diante da criação de tributos.
Leocádio ressalta que o direito ao reequilíbrio está garantido pela Lei Geral de Concessões e foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal. Porém, a preocupação é como esse reequilíbrio vai acontecer na prática, uma vez que hoje a demora, que é de vários anos, prejudica o fluxo de caixa e a viabilidade das concessões. “Dada a magnitude da reforma tributária em debate, o pleito é para que haja um regime provisório ou cautelar que não prejudique tanto o fluxo de caixa das empresas”, diz o advogado.
Breno Consoli, advogado tributarista e sócio do Martinelli Advogados, observa que, em tese, na dinâmica da reforma, o tratamento diferenciado para determinados setores não poderá ser concedido por lei complementar depois. “Os benefícios estão limitados ao que está na PEC. Para que venha depois um benefício, terá que vir outra emenda constitucional, o que é muito mais difícil do que uma lei complementar. Ou coloca agora ou dificilmente vai passar depois”.
Para a advogada Larissa Laks, mestre pela UFRGS-RS e doutora em direito tributário pela PUC-RS, a questão fundamental é que o instrumento adequado para lidar com as especificidades de cada setor não é o sistema tributário. “É o orçamento público, por meio de subsídios ou, como está se propondo hoje no lugar das desonerações a produtos, a devolução de imposto para certos públicos-alvo”, diz.
A expectativa de quem participa dos grupos de trabalho no Senado é que o relator da Reforma Tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), apresente seu relatório na semana que vem, com mudanças na redação, mas os detalhes não foram divulgados. Procurado, o senador quis comentar.