Fonte: Valor Econômico | Publicado em 8/9/2023 | Clique aqui e veja a publicação original
O desafio de lidar com os juros altos e o aumento das despesas financeiras fez com que a varejista de móveis Lojas MM, de Ponta Grossa (PR), buscasse fora dos bancos tradicionais uma maneira de financiar suas atividades. A companhia levantou R$ 30 milhões no primeiro semestre deste ano com a emissão de cotas seniores de um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC).
“Assim como outras empresas do setor, começamos a ver os resultados diminuírem por conta das despesas financeiras, então procuramos uma fonte de financiamento mais barata para poder rentabilizar o negócio”, explica Marcos Martins, gerente da Lojas MM. “Tivemos que nos reinventar para ganhar fôlego e ampliar nossa atuação.”
A empresa, que registrou faturamento de R$ 1 bilhão em 2022, pretende chegar a R$ 3 bilhões em receitas em cinco anos. “Para alcançar esse patamar, procuramos mecanismos como o FIDC, que proporcionam a alavancagem com um peso menor nas despesas”, diz Martins.
O mercado dos FIDCs cresceu na primeira metade deste ano, em meio à piora do ambiente para o crédito mais tradicional. O patrimônio líquido do setor aumentou 7,5% de janeiro a junho, para R$ 403,48 bilhões, enquanto o número de fundos cresceu 6,5% para 2064, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Os FIDCs do setor de comércio foram o destaque do primeiro semestre, com crescimento de quase 55% da carteira, para R$ 107,6 bilhões, segundo levantamento do Martinelli Advogados. O volume superou a carteira de fundos do setor financeiro, que costuma ser maior, e que, no mesmo período, chegou a R$ 106,4 bilhões.
“O primeiro semestre foi ruim para a geração de caixa das varejistas. Com isso, vemos mais empresas antecipando recebíveis para conseguir sustentar um período difícil”, diz Walter Fritzke, responsável pela área de serviços financeiros do Martinelli.
A piora do ambiente de concessão de crédito ao varejo decorrente do caso da Americanas influenciou a busca de alternativas de financiamento. Após a descoberta do que inicialmente foi chamado de “inconsistências contábeis” pela varejista, as emissões de títulos como debêntures foram interrompidas e o crédito de bancos ficou mais restrito.
Com a redução dos recursos para financiar a economia, abriram-se algumas oportunidades para os FIDCs, diz Leonardo Calixto, presidente da gestora Empírica, que estrutura fundos desse tipo. “O FIDC é um instrumento que faz a conexão entre investidores e crédito final e acaba suprindo essa falta de recursos de bancos. Por isso, a tendência é só aumentar esse mercado”, afirma.
Na estrutura de um FIDC, a empresa cede sua carteira de direitos creditórios ao fundo em troca de recursos. Assim, ele consegue antecipar os recebíveis em troca de uma taxa de desconto que, pelo outro lado, é usada para remunerar os investidores do fundo.
Para Calixto, o cenário para os FIDCs é positivo, mesmo com a situação atual da inadimplência. Dados do Banco Central mostram que em julho a inadimplência da carteira de crédito às pessoas jurídicas atingiu 3,3%, com aumento de 0,2 ponto percentual em relação ao mês anterior, puxado pela carteira de desconto de duplicatas e recebíveis.
“Mesmo com as próprias dificuldades, o FIDC se mostrou um veículo de captação eficiente e importante”, afirma Calixto.
A partir de outubro, uma mudança nas regras da CVM permitirá que o público em geral possa aplicar diretamente em fundos de direitos creditórios. Até hoje, apenas investidores qualificados, ou seja, aqueles que possuem pelos menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras, podem alocar recursos nesses produtos.
Isso deve aumentar o interesse de empresas por esse tipo de fundo, segundo Cristiano Greve, gestor da Integral Investimentos. “Em um primeiro momento, vai faltar produto para o volume dos recursos disponíveis. No médio prazo, esperamos um grande fluxo de novos FIDCs para atender a esses investidores”, diz.
Além da mudança regulatória, o ciclo de queda da Selic, iniciado em agosto, também deve contribuir para o aumento do volume de emissões nos próximos meses, diz Greve. “Se houver uma sinalização mais clara de estabilidade econômica, novas operações devem vir a mercado”, afirma.
Richard Ionescu, presidente da Iosan, securitizadora focada em FIDCs, também aposta na redução dos juros para o avanço do mercado. “Com a redução da taxa de juros tudo vai começar a melhorar um pouco”, afirma. “Quando a taxa está alta, o investidor acaba se acomodando um pouco. Quando ela começa a cair, ele passa a buscar um pouco mais de risco.”