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VALOR | Entenda como a reforma tributária pode impactar o meio ambiente

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Fonte: Valor Econômico | Publicado em 30/10/2023 | Clique aqui e veja a publicação original

O texto da Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) nº 45/2019 aprovado na Câmara dos Deputados deu tons verdes à reforma tributária.

Após a apresentação do parecer pelo relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), na quarta-feira, a redação final ainda está em discussão. Mas, por enquanto, diversos dispositivos usam o sistema tributário como indutor de melhores práticas ambientais.

O texto, que sofreu alterações significativas, aguarda agora aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Como as discussões no Senado não terminaram, para o advogado Breno Consoli, sócio nacional do Martinelli Advogados, experiências internacionais ainda poderiam ser debatidas, como a “carbon tax” europeia.

A seguir, o especialista esclarece os sete principais pontos da questão ambiental na reforma tributária:

1- Quais são as previsões da reforma que impactam a área ambiental?

  • Incentivos às boas práticas ambientais, com a instituição do ICMS-verde, que vai recompensar os municípios que preservem recursos naturais, contribuindo para o bem-estar de todo o Estado (art. 158, §2º, III)
  • Incluir, entre as destinações da Cide-Combustíveis, o “pagamento de subsídios a tarifas de transporte público coletivo de passageiros” (art. 177, §4º, II, “d”)
    Os incentivos regionais, sempre que possível, deverão considerar “critérios de preservação do meio ambiente” (parágrafo 4º, do artigo 43, e artigo 159-A)
  • O Sistema Tributário Nacional também deverá observar, entre outros, o princípio da defesa do meio ambiente (parágrafo 3º, artigo 145)
  • O novo Imposto Seletivo também onerará bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente ( inciso VIII, artigo 153)O IPVA poderá ter alíquotas diferenciadas em função do impacto ambiental dos veículos (inciso II, do artigo 156)
  • Haverá manutenção de regime fiscal favorecido para os biocombustíveis (parágrafo 1º, inciso VII, do artigo 225)
  • Será criado um crédito presumido para o adquirente de resíduos e demais materiais destinados a reciclagem, a reutilização oua logística reversa, de pessoa física, de cooperativa ou de outra forma de organização popular (parágrafo 6º, do artigo 9º)

2- Os objetivos com relação à defesa do meio ambiente estão claros no projeto de reforma tributária?

O texto ainda possui muitos pontos que geram incertezas e insegurança aos contribuintes. As medidas ambientais, em certo grau, aparentam ser iniciativas isoladas e dispersas, sem evidenciar de forma clara os objetivos ambientais buscados.

3- O que deverá ser onerado pelo Imposto Seletivo por ser prejudicial ao meio ambiente?

Este tipo de tributo, conhecido também como “imposto do pecado”, é cobrado em diversos países como Estados Unidos, Holanda, Dinamarca e Espanha. Em geral, incide sobre cigarros, bebidas alcoólicas, refrigerantes, combustíveis fósseis, entretenimento, apostas entre outras.

No caso brasileiro, a PEC prevê que o imposto vai incidir sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Mas, o texto atual, não traz essa definição, o que poderia ser regulamentado posteriormente por lei complementar.

Defensivos agrícolas, por exemplo, estarão nesta lista? Esta é certamente uma grande preocupação dos agricultores. Sem os defensivos, é inviável a expansão ou mesmo a manutenção dos patamares atuais de produção.

O desejável seria que a redação final aprovada pelo Senado desse contornos mais claros e limites mais objetivos a esta cobrança, se possível indicando os produtos e serviços que serão onerados.

A outra proposta de reforma tributária (PEC 110), por exemplo, trouxe em sua versão inicial um rol taxativo para o imposto do pecado.

Seria importante também um debate sobre a espécie tributária da cobrança para permitir a destinação direta dos recursos da arrecadação.

4- O impacto dessa oneração vai chegar ao bolso do consumidor?

Com a oneração por um novo tributo, os produtos agropecuários, que já vão sentir com o corte de benefícios sobre os insumos, ficarão mais caros e a conta chegará aos consumidores, causando impacto na inflação.

Além disso, pesquisas indicam que o ideal é que a arrecadação com o “imposto do pecado” seja destinada justamente para prevenir e enfrentaras externalidades negativas causadas pelos produtos ou serviços. Por exemplo, a possibilidade de utilizar os recursos arrecadados com o tributo para custear propaganda alertando sobre os danos que determinado produto pode causar à saúde e para pagar o tratamento dos problemas de saúde decorrentes do seu consumo.

Porém, no atual modelo tributário brasileiro, os impostos [como é o caso do imposto seletivo] servem como fonte geral de receita e não podem ter destinação específica.

5- Deve haver algum tratamento diferenciado do IPVA, conforme o impacto ambiental causado pelo veículo?

Sim, parece que a reforma quer, com isso, estimular a aquisição de veículos elétricos, híbridos e movidos a biocombustíveis, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa.

Na prática, este benefício já existe atualmente em diversos Estados. Contudo, a reflexão que fica é se apenas uma alíquota reduzida de IPVA será suficiente para justificar esta migração dos carros movidos à combustíveis fósseis.

Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os tributos compõem hoje entre 40% e 50% do preço dos veículos, representando um impacto muito maior do que o do IPVA. Um debate mais cuidadoso pode ser importante para verificar se outras medidas serão necessárias para viabilizar esta transição, como um tratamento tributário mais benéfico também na fabricação e comercialização dos veículos cuja aquisição e circulação se quer incentivar.

6- A redação aprovada da PEC prevê um crédito presumido para quem comprar, de pessoa física, cooperativa ou outra forma de organização popular, materiais destinados à reciclagem. Como isso deve funcionar?

Este certamente é um ponto importante na defesa da economia circular. Vai beneficiar, de forma direta, as cerca de 800 mil famílias de catadores que trabalham com reciclagem e que tornaram possível o Brasil atingir o recorde de 100% de reciclagem das latas de alumínio no ano de 2022 [cerca de 32 bilhões de latas].

Porém, ao limitar este benefício apenas para a aquisição destes materiais, o legislador não garante que o produto final [elaborado a partir da reciclagem] tenha um diferencial competitivo [em relação aos produtos elaborados com uso de novos recursos naturais] para o momento que chegar ao consumidor final. Ele apenas elimina uma distorção para evitar que as empresas que estão no início da cadeia optem por novos recursos naturais em detrimento da reciclagem.

7- Quais experiências internacionais poderiam ser incluídas no texto da reforma?

As medidas destacadas na PEC parecem constituir ações isoladas e dispersas. Elas poderiam ser mais coesas e considerar o efetivo impacto ambiental que a reforma quer causar.

Afinal de contas, quais os objetivos com tais medidas? Reduzir a emissão de gases de efeito estufa? Estimular a produção e uso de energias renováveis? Redução e gestão de resíduos? Reduzir o impacto ambiental das cadeias de suprimento?

Na Europa, 21 países instituíram a “carbon tax” [que onera as emissões de gases de efeito estufa]. A forma de cobrança e as dinâmicas variam de país a país, mas são calculadas por tonelada de gases emitidos.

Além disso, a União Europeia criou o Ajuste de Carbono na Fronteira para manter a competitividade dos produtos feitos dentro da região [e que já sofrem incidência do carbon tax], onerando os mesmos produtos fabricados fora da região quando não tributados nos países de origem. Esta cobrança na importação vai se aplicar para ferro, aço, alumínio, cimento, fertilizantes, hidrogênio e eletricidade e começará a ser cobrada em 2026.

Assim, a discussão sobre tributação de carbono [não expressamente tratada na reforma tributária] é também econômica. Vale lembrar que o Brasil é signatário do Acordo de Paris, pelo qual se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030 [tomando como base as emissões em 2005].

Outra experiência internacional é a “taxa de lixo” cobrada em alguns cantões na Suíça, embutida na venda dos sacos de lixo aprovados pelo governo e que constituem a única forma legal de descarte.

Como os valores por sacos são altos, estudos mostraram uma significativa redução na geração de resíduos (até 25%) e aumento na reciclagem, que não está sujeita à taxa. Não ignoramos que as dimensões da Suíça são muito menores do que no Brasil e que a questão social é bastante distinta. Mas esta é uma experiência com resultados comprovados, que poderia ser objeto de debate.

 

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