Fonte: Valor Econômico | Publicado em 23/4/2024 | Clique aqui e veja a publicação original
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aplicou um valor recorde de multas em 2023, considerando a série histórica (desde 1998) – retirado o ano de 2018, que teve desempenho fora da curva por causa de uma penalidade elevada contra uma única empresa. No ano passado, as multas somaram R$ 38 milhões, incluindo pessoas físicas e jurídicas, decorrentes do julgamento de 26 processos administrativos.
O aumento é de 727% em relação a 2022 e de 122% em relação a 2021, segundo levantamento realizado pelo escritório Martinelli Advogados. Os valores decorrentes da aplicação de multas em processos administrativos instaurados no Coaf são passíveis de inscrição em dívida ativa do Banco Central, compondo resultado a ser transferido ao Tesouro.
Um dos principais fatores que têm levado a uma tendência de aumento no valor de multas aplicadas é o aprimoramento da abordagem baseada em risco, segundo o Coaf explicou em resposta ao Valor. Por essa abordagem, que se contrapõe à chamada abordagem baseada em regras, diversos atores do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP) concentram esforços e recursos nos casos de maior risco.
Apesar de a ideia central da abordagem ser simples, a maneira de concretizar envolve alguns desafios, de acordo com o conselho. É preciso desenvolver uma matriz de riscos para priorizar ações de fiscalização, priorizando a efetividade, por exemplo.
O Coaf explica que é o aprimoramento desse tipo de ferramenta ao longo dos anos que viabilizou um sistema cada vez mais acurado das situações a serem tratadas seja na fiscalização ou no julgamento dos processos sancionadores. Com isso, há uma tendência natural à seleção de casos de maior valor, de acordo com o conselho.
Do total das multas, R$ 32,4 milhões foram aplicadas ao setor de joias, pedras e metais preciosos, R$ 5,25 milhões ao setor de bens de luxo ou de alto valor e R$ 642 mil ao de fomento comercial (factoring).
A Associação Brasileira de Factoring, Securitização e Empresas Simples de Crédito (Abrafesc) reconhece a importância do papel regulatório e fiscalizatório do Coaf. Em 2023, por meio do Sinfac-SP, principal sindicato estadual da categoria, 334 profissionais de 201 factorings participaram de cursos com esclarecimentos sobre como proceder para atender sobre o assunto.
Segundo Diego Lima, do Martinelli Advogados, geralmente esses setores são os principais alvos de multas. A lei prevê quais devem prestar informações e ainda existem áreas que, embora não elencadas, estão submetidas a outros órgãos de fiscalização.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que representa um dos setores que prestam informações ao Coaf, informou que todos os bancos têm áreas de prevenção à lavagem de dinheiro estruturadas e que se utilizam de ferramentas de tecnologia e inteligência artificial para o monitoramento das transações e geração de alertas de novas tipologias de lavagem de dinheiro, melhorando a qualidade da comunicação ao conselho.
“Diversas investigações deflagradas pelas polícias [Federal e Civil] e ministérios públicos tiveram sua origem nas comunicações de operações suspeitas que os bancos encaminharam ao Coaf a partir do monitoramento e comunicação de operações suspeitas”, informou a federação. Em 2023, foram cerca de 5 milhões de comunicações de operações financeiras efetuadas pelos bancos entre operações suspeitas e em espécie acima de R$ 50 mil.
O Coaf atua de forma independente em relação às autoridades de investigação criminal, inclusive para a aplicação de sanções administrativas, ainda que uma esfera possa subsidiar a outra em casos nos quais se identifique conexões. Eventuais desdobramentos de ações de supervisão do conselho em trabalhos de investigação penal podem ou não ocorrer, conforme o caso. A depender da situação pode acontecer o inverso: o desdobramento de trabalhos de investigação penal em ações de supervisão do Coaf.
“O conselho sempre vai fazer um processo de análise e levantamento de informações. Se houver indícios de lavagem de dinheiro não é o Coaf que dá o encaminhamento penal do caso. Ele repassa para a autoridade policial, que pode complementar a investigação”, afirma Lima.
As multas do Coaf são aplicadas quando a empresa deixa de prestar alguma informação relevante, descumpre obrigação acessória, informa de maneira indevida ou até informa demais. Segundo Lima, já teve empresa multada por “informar demais”, comunicando uma operação que não tinha acontecido. “Pode ter sido um erro, mas é comunicação indevida e é aplicada multa”, diz.
Os principais motivos que levaram aos processos e à aplicação das multas em 2023 foram irregularidades na manutenção de cadastros de clientes e operações, deficiência na implementação de controles internos de PLD/FT (Sistema de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa) e a falta ou irregularidades nas comunicações obrigatórias ao conselho.
Em um dos casos julgados em 2023, dois administradores de uma empresa foram multados e inabilitados temporariamente para o exercício do cargo de administrador devido ao descumprimento do dever de manutenção de registros e por conta de comunicação realizada de forma indevida ao Coaf.
Diego Lima vê uma tendência de intensificação das penalidades por parte do órgão, por conta de investimentos em ferramentas tecnológicas e no intercâmbio de informações com outros órgãos. O advogado pondera que o Coaf não é um órgão policial, mas de inteligência financeira.