O programa de compliance na nova lei de licitações
Autora: Clarissa Gracellé
“Compliance é um caminho sem volta”, diziam algumas vozes isoladas entre 2013 e 2014, logo que entrou em vigor no Brasil a Lei Anticorrupção, como resposta à pressão internacional e aos escândalos de corrupção envolvendo a administração pública e empresas privadas.
A Lei Anticorrupção trouxe para o meio empresarial brasileiro os “programas de integridade”, isto é, regras de compliance com foco na prevenção, mitigação e contenção de riscos envolvendo atos lesivos contra a administração pública, em todos os seus níveis.
O Programa de Compliance é construído de forma customizada para responder aos riscos que a organização está inserida. É composto de uma série de ações para garantir que seus processos ocorram em conformidade com as leis, normas regulatórias e procedimentos internos.
Para empresas envolvidas em casos de suborno e fraude em licitações, entre outros atos lesivos disciplinados na Lei Anticorrupção, o Programa de Compliance serviria como atenuante às sanções aplicadas. A necessidade de implementação também foi objeto de alguns acordos de leniência firmados com o Ministério Público Federal por empresas envolvidas na Operação Lava Jato.
Os benefícios de um Programa de Compliance eram desde então visíveis a qualquer empresa: ele agrega valor, reforça a imagem interna e externa e é, sem dúvida, um diferencial competitivo. Para os entes públicos que viriam a firmar contratos com o setor privado, saber que seu contratado prima pela conformidade confere uma segurança muito maior.
Nesse cenário, quem tem um Programa de Compliance passou a exigir que seus parceiros também o tivessem. A depender do segmento de atuação, era uma imposição do mercado.
O que já se via no âmbito das relações privadas se expandiu para o setor público: estados brasileiros, alguns deles muito marcados por casos de corrupção – como o Rio de Janeiro –, passaram a exigir a adoção de Programas de Integridade por empresas que viessem a firmar contratos públicos com estes entes, caso as contratações se enquadrassem dentro de determinados critérios (valor e tempo do contrato administrativo).
Aquilo que era considerado apenas uma boa prática passou a ser agora exigência também em âmbito federal. A nova Lei de Licitações trouxe a implementação de programas de integridade como requisito para contratação de bens e serviços de grande vulto (acima de R$ 200 milhões) com a Administração Pública Federal.
Muitas dúvidas começaram a surgir. A empresa já precisa ter o Programa de Compliance para participar da licitação? Não, a empresa vencedora terá o prazo de 180 dias a contar da assinatura do contrato administrativo para implementação. Mas e se ela já tiver? O programa serve como critério de desempate entre competidores.
Como demonstrar? Quem avalia os Programas de Integridade? Ele pode ser apenas formal ou tem que ser efetivo?
As empresas ainda têm muitas dúvidas, mas com certeza todo esse movimento no sentido de buscar a adequação já é salutar. O ambiente empresarial tem muito a ganhar com o crescimento do cenário de conformidade, pois ainda que se tenha a obrigatoriedade com viés nos contratos públicos, os efeitos são sentidos nas relações privadas também.
Todo Programa de Compliance é desenvolvido com base nos riscos e ambiente regulatório específico de cada empresa, e customizado ao seu perfil (tamanho, número de colaboradores, tipo de atividade e capilaridade, entre outros). Nessa linha, os investimentos para o desenvolvimento do programa (isto é, recursos financeiros e de pessoal) serão também correspondentes às suas características.
Portanto, empresários não devem se assustar, e sim começar: reconhecer internamente as práticas que a empresa já adota e tornar a ética e a conformidade presentes nas suas rotinas.
Para as organizações que já percorreram esse caminho, existem premiações como o Pró Ética e o Selo Mais Integridade, além das certificações ISO 37001 (Antissuborno) e a mais recente ISO 37.301 (Compliance), que podem respaldar a maturidade dos seus Programas de Compliance.
O mercado e a sociedade só têm a ganhar com isso.
Clarissa Grecellé (OAB/RS 83790 ) é advogada especialista em Compliance e Proteção de Dados do Martinelli Advogados no Rio Grande do Sul.
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