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Denúncia espontânea e evasão fiscal no Brasil 

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Em regra, a evasão fiscal no Brasil fica caracterizada quando o contribuinte (i) pratica o fato gerador de um tributo específico e não realiza o seu pagamento, e (ii) deixa de pagar o tributo por meio de ações dolosas, tais como sonegação, fraude e conluio. 

Diante da constatação do inadimplemento da obrigação tributária, o fisco intima o contribuinte para a cobrança do valor não pago, acrescido de juros e multa. A multa pode variar entre 75%, nos casos de mero inadimplemento do tributo, 100%, nos casos de ações dolosas como sonegação, fraude e conluio, e 150%, quando há reincidência na prática dessas condutas. 

De acordo com a legislação, a sonegação envolve qualquer ação ou omissão dolosa que tenha como finalidade evitar ou dificultar que as autoridades fiscais descubram que o fato gerador do tributo ocorreu ou indique erro na declaração do tributo. Um exemplo de sonegação é declarar um valor menor do que o devido nas obrigações acessórias. 

Fraude é qualquer ação ou omissão para (i) impedir ou adiar o fato gerador do tributo, ou (ii) modificar as características do tributo com o objetivo de diminuir o valor a ser pago ou postergar o pagamento. Um exemplo de fraude seria a falsificação de documentos para diminuir o valor devido. 

Conluio é quando duas ou mais partes fazem um acordo doloso para cometer sonegação ou fraude fiscal. 

Até 31 de dezembro de 2023, a multa em casos de sonegação, fraude ou conluio era de 150%. No entanto, vários contribuintes questionavam judicialmente a constitucionalidade dessa cobrança, com base na violação do princípio constitucional de vedação ao confisco. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu favoravelmente aos contribuintes em várias ocasiões, o que levou à mudança na legislação para reduzir a multa para 100%, reservando a multa de 150% apenas para os casos de reincidência. A multa de 100% aplica-se inclusive ao passado, o que significa que os contribuintes podem pedir de volta os valores pagos acima desse limite. 

Com relação aos tributos devidos por pessoas jurídicas, a princípio, a cobrança dos valores não pagos deveria recair apenas sobre as próprias pessoas jurídicas. Contudo, nos casos em que o fisco logra comprovar o envolvimento pessoal dos diretores e administradores nas ações dolosas praticadas pela pessoa jurídica que culminam na evasão fiscal, há risco de sua responsabilização pessoal (dos diretores e administradores). 

Além das consequências fiscais, a evasão fiscal também pode ser tratada como um crime contra a ordem tributária, e o infrator pode ser preso. Em geral, o pagamento ou parcelamento das dívidas fiscais pode suspender ou extinguir o processo criminal. 

No que se refere ao planejamento tributário abusivo, caracterizado quando envolve a exclusão ou redução do tributo devido por meio da manipulação das formas legais, ainda não existe no Brasil uma definição clara sobre a possibilidade de ser considerado evasão fiscal e, assim, penalizado com a multa de 100%.  

Embora o tema “desconsideração do planejamento tributário” no Brasil não seja novo e já tenha sido amplamente discutido pela doutrina e nos tribunais, ainda há incerteza sobre a possibilidade e critérios para classificação de planejamentos tributários como elisão fiscal (planejamento tributário legal), evasão fiscal ou uma categoria separada, sujeita à multa de 75% em vez de 100%.  

A primeira abordagem (elisão fiscal), está relacionada a uma visão mais formalista do Direito Tributário, que prevaleceu no Brasil até a metade dos anos 2000, ao passo que a segunda (evasão fiscal) pode ser entendida como uma reação exacerbada à primeira, culminando na restrição máxima ao planejamento tributário. A terceira abordagem é a que tem prevalecido no âmbito administrativo, mas a discussão ainda não se encontra pacificada. 

Como as autoridades fiscais descobrem a evasão fiscal 

A apuração dos principais tributos no Brasil é informatizada, e os contribuintes são obrigados a enviar declarações detalhadas de suas obrigações fiscais para as autoridades fiscais federais, estaduais e municipais, bem como para os cartórios, órgãos bancários, financeiros e de comércio exterior, conforme o caso. Nesse contexto, grande parte da evasão fiscal é detectada por meio de fiscalizações iniciadas com o cruzamento das informações fornecidas pelos próprios contribuintes. 

As fiscalizações também podem ser realizadas espontaneamente pelas autoridades fiscais, sem que haja irregularidades visíveis, ou por meio de denúncias ou metas estabelecidas pelas próprias autoridades fiscais. 

Além disso, anualmente, a Receita Federal do Brasil publica um relatório com as medidas prioritárias para promover o compliance tributário. Essas medidas podem ser estruturantes, facilitadoras, assistenciais ou coercitivas. Para 2024, alguns dos tópicos eram: 

  • Nova legislação sobre preços de transferência, fundos de investimento e juros sobre o capital próprio; 
  • Uso indevido de créditos de PIS e COFINS; 
  • Abuso na utilização de prejuízos fiscais ao calcular o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); entre outros.

Opções para retificar declarações fiscais ou inclusão de renda adicional 

A retificação das declarações fiscais, incluindo a declaração de rendimentos adicionais, está disponível para todos os tipos de tributos, desde que as autoridades fiscais ainda não tenham tomado nenhuma medida de fiscalização em relação à infração tributária.

Condições para a denúncia espontânea da evasão fiscal 

No Brasil, a denúncia espontânea ocorre quando o contribuinte paga o tributo devido e depois retifica a obrigação acessória por meio da qual o tributo é declarado. Para que a denúncia espontânea produza o efeito de excluir a multa punitiva pelo inadimplemento do tributo, o pagamento do tributo devido deve ser feito antes da retificação da declaração.

Consequências da denúncia espontânea da evasão fiscal 

A denúncia espontânea, com o pagamento do tributo devido, resulta no afastamento da multa punitiva.

Quando a denúncia espontânea da evasão fiscal deixa de ser possível? 

A denúncia espontânea não é mais possível quando a autoridade fiscal brasileira inicia qualquer medida de fiscalização relacionada à infração tributária. Exemplos de medidas de fiscalização são: 

  • notificação do contribuinte sobre o primeiro ato oficial escrito realizado por um fiscal para informar sobre a existência da obrigação tributária;  
  • apreensão de bens, documentos ou livros;  
  • início do desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas.

Principais áreas em que a denúncia espontânea tem grande importância 

A denúncia espontânea é amplamente utilizada por contribuintes que precisam comprovar sua regularidade fiscal com frequência para manter contratos com entidades públicas, obter financiamentos e acessar benefícios fiscais.

O que muitas vezes passa despercebido por estrangeiros, mas é considerado evasão fiscal no Brasil? 

Como mencionado, ainda não há uma definição clara no Brasil sobre se o planejamento tributário abusivo pode ser considerado evasão fiscal. Dependendo do caso, é recomendada uma avaliação específica da jurisprudência administrativa e judicial relacionada ao planejamento tributário pretendido, a fim de avaliar o risco de ele ser classificado como evasão fiscal e a aplicação da multa de 100%. 

O que recomendamos aos clientes que cometeram evasão fiscal? 

O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo, o que leva a várias discussões longas com as autoridades fiscais. Não é raro que as notificações de infração sejam anuladas nas esferas administrativa e judicial. Em muitas situações, é recomendado que o contribuinte aguarde a avaliação e se defenda posteriormente. 

Quando as perspectivas de uma disputa administrativa ou judicial são negativas, mas o contribuinte ainda não foi notificado, sugerimos avaliar a possibilidade de utilizar a denúncia espontânea. Como última alternativa, se já houver uma medida de fiscalização ou uma notificação de infração, ou se o contribuinte não puder fazer a denúncia espontânea, recomendamos avaliar a possibilidade de incluir a dívida tributária em um programa de parcelamento. Programas de parcelamento são frequentemente oferecidos no Brasil, principalmente pelos governos federal e estadual. 

Fonte: GGI | Publicado em 27/02/2025 | Clique aqui e veja a publicação original

Laura Santos

Roberto Hering Meyer

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